O cinquentão Robert Smith avisou em todas as entrevistas
para os veículos brasileiros de imprensa, antes de chegar ao Rio de
Janeiro, que o The Cure mataria a saudade do fã com uma apresentação de
pelo menos três horas. Dito e feito. O que ele não deixou claro, porém, é
que o tom nostálgico de um show como esse, composto de 40 canções, traz
a sensação de limpeza no armário esquecido. Aqueles CDs que submergem
da poeira do ostracismo, te fazem esquecer por um período de tempo os
arquivos mp3, e formam uma coletânea que te impede de fazer qualquer
outra coisa pelas próximas 3h20 de pura viagem no tempo. Foi a duração
do show de retorno do The Cure ao Brasil nesta quinta-feira (04), na
HSBC Arena, no Rio, na mini-turnê brasileira que ainda passa sábado por
São Paulo, na Arena Anhembi.
Se a performance da banda inglesa liderada desde 1978
por Smith já não tem um ritmo pouco mais eletrizante quando se
necessita, como foi na última aparição no Hollywood Rock de 1996, e como
poderia ter sido na noite passada já na reta final com o super hit Boys Don´t Cry,
em versão lenta, é correto reconhecer também que houve nítida
preocupação com o fã saudoso que teve a oportunidade de presenciar uma
performance com duração fora dos padrões. E única. Dos treze álbuns de
estúdio lançados, apenas dois não estiveram presentes: Faith (1981) e Bloodflowers (2000).
Ao despejar canções dos consagrados Desintegration (1989) e Wish (1992), discos representados com sete músicas cada, com lampejos de The Top (1984), The Head On The Door (1985) e Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me (1987), sem mencionar as pinceladas de singles que nem foram partes integrantes de álbuns de estúdio, como Killing an Arab as Another,
de 1978, e o primeiro a ser lançado pelo The Cure pela gravadora
embrião da Polydor na época, a Fiction Records, Robert Smith vai
desempoeirando aos poucos os CDs achados no armário da limpeza.
A sonoridade continua impecável, e é justamente esta
sensação de se estar escutando o disco tocando no rádio, o que prova que
a banda realmente ralou nos ensaios, é que suaviza a questão de o
público não ter se aquecido com a apresentação – salvo alguns hits mais
poderosos. Smith ajuda a manter este clima introspectivo ao se dirigir
aos fãs por poucas vezes, com raros “obrigados”, e apenas três curtos
momentos mais expressivos. Show do The Cure hoje, na conclusão que se
chega, é achar os tais discos antigos da banda e pedir para Bob Smith
tocar para você, como se ele fosse o seu DJ por uma noite.
Nas duas primeiras canções da subida ao palco, com meia hora de atraso, foi como, de bate pronto, o disco escolhido fosse Wish, de 1992, fase em que a banda tentava repetir o fervoroso sucesso de três anos atrás com Desintegration. Open e High nem foram as músicas que atingiram o topo das paradas na época, como foi o caso de Friday I´m In Love, do mesmo álbum, mas com tantas horas de show pela frente, a pressa serviria para quê?
Um hit, você quer cantar um pouco mais alto, e vem Love Song, primeira música da noite do cultuado Desintegration, cuja letra ainda traz a subliminar mensagem do I Will Always Love You (“Eu
sempre vou te amar”). Nada mal para quem passou tanto tempo longe.
“Estava querendo dizer isso há muito tempo, tempo demais entre dois
shows”, disse em sua primeira intervenção, após From The Edge Of The Deep Sea, oitava do repertório.
A troca frenética de CDs passa agora por The Head On The Door, de 1985, mas antes de In Between Days, outro sucesso poderoso que se escuta nas festas até hoje, você prefere ouvir Push.
A fórmula de entretenimento de Robert Smith é essa: blocos de canções
de discos essencialmente consagrados, como no trecho de três músicas
consecutivas do disco Desintegration, com os teclados consagrados de Pictures Of You, e Lullaby, além de Fascination Street.
“It´s been 17 fu... years that I didn´t hear your
Portuguese”, disse Robert Smith, na tradução livre do que todo mundo já
sabia, ou seja, que ele não tinha contato com o público brasileiro há 17
longos anos, após raro momento de agito e corações nos telões com Friday I´m In Love.
Na escolha eclética, houve espaço até para o sombrio Pornografy, de 1982, disco tido como referência da banda no rock gótico, representado ao vivo pela canção One Hundred Years,
uma faixa antes da banda partir para o seu primeiro intervalo de cinco
minutos após executar 27 músicas em 2h18. Em mais uma hora de pura
lambuja para o fã, destaque para a fase de pleno sucesso da banda nos
anos 80.
Hits como Catterpillar e Love Song sofrem a suave alternância de singles soltos como Love Cats, Let´s Go To Bed e a própria Boys Don´t Cry, de 1980, que só viria estourar nas paradas e tornar-se o maior hino do The Cure com o compilado de 1986, Standing On The Beah, Stading On The Sea.
Para encerrar o “pocket show” de 40 canções, Killing an Arab as
Another, de 1978, com raízes ainda da embrionária The Obelisk, a banda
onde tudo começou para os então garotos do colégio Notre Dame em
Cramley, na Inglaterra, é a síntese final da experiência sensorial.
“Obrigado. Vejo vocês daqui a 17 anos”, agradeceu, irônico, ao sair pela
última vez do palco, em seu terceiro e último singelo contato com o
público.
Setlist The Cure – HSBC Arena – quinta-feira
Intro: Tape
Open (Wish – 1992)
High (Wish – 1992)
The End Of The World (The Cure – 2004)
Love Song (Disintegration – 1989)
Push (The Head On The Door – 1985)
In Between Days (The Head On The Door – 1985)
Just Like Heaven (Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me – 1987)
From The Edge Of The Deep (Wish – 1992)
Pictures Of You (Desintegration – 1989)
Lullaby (Desintegration – 1989)
Fascination Street (Desintegration – 1989)
Sleep When I´m Dead (4:13 Dream – 2008)
Play For Today (Seventeen Seconds – 1980)
A Forest (Seventeen Seconds – 1980)
Banana Fishbones (The Top – 1984)
Shake Dog Shake (The Top – 1984)
Charlotte Sometimes (single de 1981)
The Walk (Japanese Whispers – The Cure Singles – 1983)
Mint Car (Wild Mood Swings – 1996)
Friday I´m In Love (Wish – 1992)
Doing The Unstuck (Wish – 1992)
Trust (Wish – 1992)
Want (Wild Mood Swings – 1996)
The Hungry Ghost (4:13 Dream – 2008)
Wrong Number (single lançado na coletânea Galore – 1997)
One Hundred Years (Pornografy – 1982)
End (Wish – 1992)
0h18 – sexta-feira
(intervalo de 5 minutos)
(intervalo de 5 minutos)
Plainsong (Desintegration – 1989)
Prayers For Rain (Desintegration – 1989)
Desintegration (Desintegration – 1989)
0h40 – sexta-feira
(intervalo de 5 minutos)
(intervalo de 5 minutos)
Dressing Up (The Top – 1984)
The Love Cats (Japanese Whispers – The Cure Singles – 1983)
The Catterpillar (The Top – 1984)
Close To Me (The Head On The Door – 1985)
Hot Hot Hot (Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me – 1987)
Let´s Go To Bed (single de 1982, integrante de Japanese Whispers – The Cure Singles – 1983)
Why Can´t I Be You (Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me – 1987)
Boys Don´t Cry (Japanese Whispers – The Cure Singles – 1983)
10:15 Saturday Night (Three Imaginary Boys – 1979)
Killing an Arab as Another (primeiro single da banda, de 1978) – 1h20 já de sexta-feira
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